Quando alguém é acusado de um crime doloso contra a vida — como homicídio consumado ou tentado —, a prova pericial pode ser a diferença entre absolvição e condenação. A omissão da defesa técnica em requerer diligências periciais importantes é uma falha grave que pode comprometer toda a estratégia de defesa. Em muitos atendimentos, ouvimos frases como: “Meu advogado não pediu perícia”, “Ninguém analisou as imagens”, “Nunca buscaram a arma para periciar”, ou “Não fizeram teste de pólvora”. E essas omissões geram insegurança, desespero e dúvidas legítimas.
Neste post, explicamos o que acontece quando a defesa não requer perícia, como isso pode ser corrigido ou explorado na estratégia jurídica, quais são os fundamentos legais para garantir prova pericial na fase de inquérito ou processo, e de que forma a atuação técnica pode resgatar a verdade dos fatos antes que ela seja substituída por uma narrativa desfavorável no plenário do Tribunal do Júri.
POR QUE A PROVA PERICIAL É ESSENCIAL NA DEFESA TÉCNICA EM CASOS DE HOMICÍDIO?
A prova pericial é aquela produzida por especialistas, como peritos criminais, médicos legistas, balísticos, engenheiros, psicólogos forenses, entre outros. Ela serve para esclarecer aspectos técnicos do crime que não podem ser resolvidos apenas com testemunhos. Nos crimes dolosos contra a vida, as perícias mais relevantes costumam ser:
- Exame de local de crime
- Exame cadavérico (necroscópico)
- Exame de arma de fogo e projéteis
- Testes residuográficos (pólvora nas mãos)
- Laudos de tempo estimado de morte
- Confronto balístico
- Reconstituição simulada dos fatos
- Avaliação de perturbação mental ou capacidade de entendimento
- Análise de imagens de vídeo ou áudio
Quando a defesa técnica deixa de requerer essas provas, abre mão de elementos que poderiam confirmar a versão do réu, descaracterizar o dolo, demonstrar legítima defesa, excluir a participação ou apontar outras linhas investigativas possíveis.
A omissão pericial, portanto, não é detalhe. É ruptura na cadeia de proteção do direito de defesa.
É OBRIGAÇÃO DO ADVOGADO PEDIR PERÍCIA? QUEM PODE REQUERER?
Sim. A defesa tem o direito de requerer provas durante a fase de inquérito, ao longo do processo e até mesmo durante o julgamento em plenário do Tribunal do Júri, se houver viabilidade. Conforme o artigo 156, inciso II, do Código de Processo Penal, a defesa pode solicitar diligências investigativas e requerer a produção de provas, inclusive periciais.
Além disso, o artigo 184 do CPP prevê que o juiz poderá indeferir provas consideradas irrelevantes ou protelatórias, mas precisa justificar. Ou seja: se a defesa pediu e foi negado, deve haver motivação. Se nem chegou a pedir, a omissão pode gerar efeitos negativos irreparáveis.
Também é possível a produção da chamada “prova pericial defensiva”, com peritos particulares, principalmente para análise de imagens, exames toxicológicos, reprodução de dinâmica de disparo, entre outros. Mas isso exige atuação diligente da defesa e, muitas vezes, contato com especialistas fora do Judiciário.
O QUE PODE ACONTECER SE A DEFESA NÃO PEDIU PERÍCIA NO MOMENTO CERTO?
A ausência de pedido de perícia relevante pode ter consequências sérias:
- A acusação avança com narrativa não confrontada tecnicamente;
- O juiz ou os jurados assumem como verdade a versão unilateral apresentada pela polícia ou Ministério Público;
- O réu perde a chance de demonstrar que não estava presente, que não disparou a arma, que a morte ocorreu de forma diferente ou que houve legítima defesa;
- A ausência de contraprova pode ser interpretada como ausência de interesse da defesa.
- Se a omissão for considerada grave e causar prejuízo concreto, pode gerar nulidade processual. A jurisprudência admite anulação de processo quando há abandono técnico, inclusive por não requerer diligências essenciais.
Além disso, essa falha pode fundamentar pedidos de reabertura de instrução, recursos, habeas corpus ou até revisão criminal após o trânsito em julgado.
É POSSÍVEL CORRIGIR A FALHA DA DEFESA E PEDIR PERÍCIA DEPOIS?
Depende do estágio do processo e da natureza da prova:
- Se o processo ainda está na fase de inquérito ou instrução, é possível requerer imediatamente a produção da perícia com base no artigo 400 do CPP, reforçando a pertinência, relevância e finalidade da prova.
- Se a audiência de instrução já ocorreu, é possível pedir reabertura com base no artigo 402, que admite diligências complementares antes da sentença.
- Se já houve sentença ou o caso foi a júri, é possível alegar cerceamento de defesa, abandono técnico ou nulidade, desde que se comprove o prejuízo concreto.
- Em plenário, a defesa pode levar perícia independente ou impugnar a narrativa acusatória pela ausência de prova técnica.
Importante: o argumento não é apenas que “a defesa não pediu”, mas sim que o acusado foi impedido de se defender plenamente pela ausência de diligência essencial.
QUANDO A FALTA DE PERÍCIA PODE LEVAR À ABSOLVIÇÃO?
A ausência de prova pericial pode favorecer a defesa se for corretamente explorada como argumento de dúvida razoável. Por exemplo:
- Se a acusação diz que o réu atirou, mas não há teste de pólvora;
- Se a acusação diz que a vítima estava rendida, mas não há laudo do local;
- Se a versão da acusação depende de dinâmica de crime não reconstruída;
- Se há dúvida sobre o número de disparos e sua origem, mas não há perícia balística;
- Se o tempo da morte é incerto e não há laudo cadavérico preciso.
Nestes casos, a defesa pode sustentar, no plenário do júri, que a dúvida técnica impede condenação. O princípio in dubio pro reo é reforçado quando a dúvida é decorrente da própria omissão do Estado ou da acusação em buscar esclarecimento técnico.
PERGUNTAS FREQUENTES
A defesa pode pedir perícia mesmo depois do processo já ter começado?
Sim. Desde que a prova seja relevante e viável, a defesa pode requerer a qualquer tempo, até o final da instrução, e até depois, em alguns casos.
Se o juiz negar o pedido de perícia, posso recorrer?
Sim. Pode ser feito recurso em sentido estrito ou habeas corpus, se a negativa violar o direito de defesa.
É possível contratar perito particular?
Sim. Especialmente para análise de vídeos, fotos, laudos oficiais ou reconstrução de dinâmica. A perícia defensiva tem valor, desde que fundamentada.
O Ministério Público pode se opor à perícia?
Pode, mas o juiz é quem decide. Se a defesa demonstrar a relevância da prova, o pedido não pode ser negado sem justificativa.
A ausência de perícia pode anular o júri?
Se a defesa demonstrar que a omissão causou prejuízo à verdade dos fatos e comprometeu o julgamento, sim. Há precedentes nesse sentido.
A FALTA DE PERÍCIA NÃO É SÓ OMISSÃO TÉCNICA — É AMEAÇA À JUSTIÇA
Quando a defesa técnica deixa de pedir perícia em casos de homicídio, o réu é julgado com base em suposições. Isso compromete o equilíbrio entre acusação e defesa e coloca a verdade dos fatos nas mãos de versões não confrontadas. O risco não é apenas jurídico — é humano.
Na Almeida Marques Advocacia, acreditamos que a perícia não é um luxo da defesa. É um direito constitucional. Nenhuma pessoa deve ser julgada por um crime contra a vida sem que sua versão tenha sido testada tecnicamente. E nenhuma omissão defensiva deve ser ignorada quando o que está em jogo é a liberdade e a dignidade de alguém.
Se você ou um familiar está sendo acusado de homicídio e a defesa não pediu perícia, ainda há tempo para agir. Revisar a estratégia, identificar falhas, requerer diligências e reconstruir a linha argumentativa pode ser a chave para virar o processo.
Porque no Tribunal do Júri, não é só o que aconteceu que importa — é o que foi ou não provado. E isso começa com a coragem de exigir que a verdade seja esclarecida, com técnica e com justiça.