A prisão de um familiar por homicídio, tentativa de homicídio ou qualquer crime contra a vida costuma provocar desorganização emocional e prática em toda a família. Muitas vezes, o silêncio se instala não porque faltam palavras, mas porque ninguém sabe o que pode ou não ser dito, enviado ou permitido dentro do sistema prisional. Neste post, explicamos com detalhes como enviar uma carta para um parente preso, o que escrever, quais cuidados tomar, como proteger esse canal de comunicação e por que isso pode fazer diferença na defesa jurídica e na preservação da dignidade de quem está respondendo por um crime doloso contra a vida.
QUAIS DOCUMENTOS E DADOS VOCÊ PRECISA TER EM MÃOS ANTES DE ESCREVER
Antes de escrever, você precisa confirmar algumas informações básicas:
- Nome completo do preso exatamente como consta no sistema do presídio. Se ele tem dois sobrenomes ou mais, use todos.
- Unidade prisional onde ele se encontra: nome da penitenciária, CDP ou centro de detenção, com endereço completo e, se possível, CEP.
- Número de matrícula ou RGI do preso. Nem todas as unidades exigem isso para correspondência, mas, se você tiver, facilita muito.
- Seu próprio nome completo, número de RG e CPF.
- O grau de parentesco ou vínculo com o preso (ex: irmã, pai, esposa, amigo de infância, companheira de fé, etc.).
Essas informações vão aparecer no envelope e também devem ser incluídas dentro da carta.
O QUE ESCREVER NA CARTA E O QUE EVITAR PARA NÃO PREJUDICAR O PRESO
Você pode escrever sobre sua vida, sua saúde, seus sentimentos, notícias da família, esperança de reencontro, palavras de força, fé e encorajamento. A carta pode ser afetuosa, honesta e respeitosa. Mas há algumas orientações muito importantes para não causar problemas:
- Não mencione crimes, armas, drogas, facções, apelidos de rua ou pessoas investigadas.
- Evite qualquer tipo de indireta ou crítica sobre outros presos, agentes, promotores ou juízes.
- Não comente detalhes do processo se não tiver certeza da estratégia da defesa.
- Evite frases ambíguas que possam ser mal interpretadas.
- Não use gírias.
Exemplos do que você pode escrever:
“Eu te amo e estou esperando você voltar.”
“Estamos orando por você todos os dias.”
“Conversei com seu advogado esta semana, ele está acompanhando tudo.”
“Você é mais do que esse momento. Cuide da sua cabeça. Não se feche.”
“Não importa o tempo que demore. Quando você sair, terá alguém aqui.”
Evite:
“Fulano te dedurou.”
“Você foi burro de cair nessa.”
“Já sabemos tudo que você fez.”
“Não fale com Beltrano, ele é cagueta.”
“Se precisar de uma faca, dá um jeito.”
“Na próxima, faz melhor.”
No início ou final da carta, escreva:
- Nome completo do destinatário (do preso)
- Número de matrícula ou RGI, se souber
- Nome completo de quem escreve
- Número de RG e CPF de quem escreve
- Grau de parentesco
Exemplo de início:
“Querido João, espero que esta carta te encontre bem. Aqui é sua irmã Mariana, RG 12.345.678-9, CPF 123.456.789-00.”
Lembre-se: a carta será lida por servidores da unidade prisional antes de ser entregue. Se o conteúdo for considerado inadequado, ela pode ser retida, rasgada ou usada contra o preso.
COMO FORMATAR A CARTA, O ENVELOPE E O SELO PARA RESPOSTA
A carta deve ser escrita à mão ou digitada e impressa. Pode ter uma folha só ou mais. Se quiser incluir uma foto da família, em papel simples, sem moldura, geralmente é aceito. Nunca envie objetos, dinheiro ou qualquer item além de papel.
Dentro da carta, escreva:
- Nome completo do preso
- Número de matrícula (se souber)
- Seu nome completo
- RG e CPF
- Endereço para resposta
- Indicação clara de que autoriza ou deseja resposta
No final da carta, você pode escrever:
“Se você puder e quiser responder, vou ficar feliz. Pode escrever para o endereço abaixo. Coloquei um envelope selado junto, para facilitar.”
Junto com a carta, coloque um segundo envelope, já com seu nome e endereço escrito, com selo colado, e sem fechar. Esse envelope é para o preso usar para te responder. Isso facilita e aumenta muito a chance de retorno.
No envelope principal (o que você vai postar), escreva:
Destinatário:
A/C do preso [Nome completo do preso]
Matrícula, cela, raio
Penitenciária [nome da unidade]
Endereço completo
CEP
Não feche o envelope com cola ou fita adesiva. Dobre e encaixe, deixando fácil para ser aberto pela segurança.
ONDE E COMO POSTAR SUA CARTA
Você pode enviar a carta por:
Correios: leve à agência mais próxima, pese a carta e pague o envio. Não precisa ser carta registrada. Não envie Sedex.
Portaria da unidade: algumas prisões aceitam carta deixada por familiares cadastrados. Verifique no site da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) ou ligue antes de ir.
Visita social: se você estiver na lista de visitas e for presencialmente, pode entregar a carta em mãos, se autorizado.
Guarde o comprovante de envio, se for pelos Correios. Ele pode ser útil em caso de problemas.
PERGUNTAS FREQUENTES
Posso escrever qualquer coisa na carta?
Não. Evite tudo que possa ser considerado apologia ao crime, ameaça, crítica à instituição, instrução de conduta processual ou menção a outros crimes.
Preciso colocar selo no envelope?
Sim. Coloque selo no envelope principal (que será postado) e, se quiser facilitar a resposta, inclua um segundo envelope selado e endereçado a você, dentro da carta.
O preso pode responder?
Sim, desde que a unidade tenha papel, caneta e autorização para correspondência. Nem sempre há estrutura. Por isso, vale indicar que você espera resposta e incluir material facilitador.
Posso mandar foto da família?
Sim, desde que seja foto simples, impressa em papel comum, sem moldura ou envelope separado.
A carta pode ser barrada?
Sim. Se for considerada inadequada, ela será retida e não entregue. É por isso que a linguagem deve ser clara, respeitosa e neutra em temas delicados.
ESCREVER É UM ATO DE CUIDADO QUE PODE FAZER DIFERENÇA
A carta é, muitas vezes, o único contato humano de verdade que a pessoa presa terá com o mundo exterior naquele mês. É prova de que alguém ainda acredita nela, se importa e quer sua volta. Em tempos em que tudo é pressa e digital, a carta é resistência.
Mas não basta escrever. É preciso saber como escrever, como proteger a pessoa que está do outro lado e como construir uma ponte de confiança e afeto que resista ao tempo da prisão.
A Almeida Marques Advocacia entende que o vínculo familiar é parte da estratégia de defesa. Acreditamos que ninguém deve ser processado como se não tivesse quem o esperasse. Se você tem um parente preso e não sabe como ajudá-lo, escrever pode ser o primeiro gesto concreto de presença. E, às vezes, é tudo que ele mais precisa.
Se quiser ajuda para redigir sua carta, revisar o conteúdo ou confirmar o endereço da unidade prisional, podemos orientar. Porque o cuidado também é jurídico. E começa com palavras.